5 de julho de 2006

As Bacantes

Personagens

§ Coro
§ Tirésias, adivinho cego
§ Penteu, rei de Tebas
§ Cadmo, seu avô
§ Agave, mãe de Penteu
§ Um servo
§ Dioniso
§ Mensageiro
§ Corifeu

Excertos

DIONISO
"(...)Mudando de forma, dragão serás, e Harmonia, filha de Ares, que esposaste, embora mortal, transmutada em fera, será serpente. Diz um vaticínio de Zeus que conduzirás, com tua mulher, um carro jungido a bois e, à frente de bárbaros, com inumerável exército, pilharás cidades sem conta. Mas, quando vierem assolar o templo oracular de Lóxias, em ignominiosa retirada fugirão. Ares te salvará, a ti e a harmonia, e para a terra dos bem-aventurados te mudará em vida. Isto digo eu, Dioniso, que sou filho de Zeus, e não de um pai mortal. Se a sabedoria houvésseis conhecido-mas não o quisestes-, sempre teríeis gozado de ventura, com Baco por aliado."


(...) AGAVE
Não convém aos deuses ter paixões de mortais.


DIONISO
Zeus, meu pai, de há muito previra vossos destinos.


(...) DIONISO
Para que tardar, diante do que a fatalidade obriga?


Resumo da Peça

Dioniso, filho de Sêmele e Zeus, depois de disseminar seu culto por toda a Ásia menor, vai a Tebas cidade de sua mãe para difundir também seus ritos e cultos. O deus da alegria e da embriaguez, não é reconhecido como tal pelos tebanos, principalmente por Penteu, filho de Agave, sua tia.

Dioniso então, para vingar-se deixa que as mulheres de Tebas vaguem delirantes pelos bosques. As Bacantes, como eram conhecidas, eram ariscas e, em geral para proteger os ritos sagrados ao deus Dioniso, matavam quem se aproximasse para observar os cultos ao deus. Penteu, ao perceber que até sua mãe fora arrancada do lar tal como acontecia com as outras mulheres tebanas (o que comprometia a ordem social em Tebas, a manutenção e a continuidade da sociedade tebana), ordena que mandem prender Dioniso, acreditando ser este, um impostor.

No episódio II e III, Penteu e Dioniso, travam um diálogo crucial, em que este, malicioso, aguarda o momento exato para executar sua vingança. Dioniso se mostra aso poucos a Penteu : não há prisão que o detenha se ele assim não o quiser ; Penteu insiste em aprisionar as bacantes para assim atingi-lo, e Dioniso o alerta para a sua natureza mortal, ao fato que ele não pode ir contra um Deus. Penteu não reconhecendo a legitimidade da divindade de Dioniso, lhe responde que não se tornará servo de suas servas, pois as Bacantes com seus cultos e suas ações, desafiavam seu poder temporal, a descendência (por isso a instituição familiar) e também os privilégios sociais masculinos.

Sedutoramente, Dioniso pergunta se Penteu não gostaria de assistir a dos cultos. Penteu aceita e entusiasmado acaba por também prestar honrarias a Dioniso. No entanto, ao chegar ao local dos cultos travestido de mulher, trazido pelas mãos do próprio Dioniso, é descoberto e confundido por um filhote de leão. Agave, mãe de Penteu não reconhece o próprio filho e despedaça-o com suas próprias mãos fazendo dele um banquete. Feliz por ter matado um leão com suas próprias mãos femininas, Agave desce, e ainda em transe, mostra ao pai Cadmo a cabeça do leão morto.

Cadmo, aos poucos leva a filha a reconhecer o desatino que cometeu. Agave, mortificada, percebendo que a cabeça que tinha nas mãos era na verdade a de seu filho, compreende que a vingança de Dioniso recaíra sobre si e sobre o povo tebano que não reconhecera Dioniso como deus. Agave argumenta com Dioniso que a sua vingança fora extremada. Dioniso lhe responde que quem nascera deus fora ele, ali se havia ultraje, era ele que deveria sentir pois não fora reconhecido como deus no momento certo.

Considerações sobre a tragédia ática e a situação de "As Bacantes"


Dioniso era o deus que se dispersava -tal como havia acontecido no início de sua gênese quando desmembrara-se para compor os quatro elementos essenciais: ar, água, fogo e terra- e ressuscitava nas máscaras dos heróis trágicos. Nietzsche assevera que até a produção de Eurípedes assim se compunha o herói trágico. No entanto, quais modificações primordiais aconteceram para este espelho que unia beleza, nobreza, afirmação da vida e dor profunda em um só laço ao ponto de "representar com exatidão servil e a reproduzir com minúcia todas as deformidades da natureza? (Nietzsche, p. 72)"

Mediante ao método de pesquisa genealógica utilizada por Nietzsche tornou-se possível chegar à conclusão que a emergência da filosofia sofista coincidiu com o enfraquecimento da autoridade dos mitos nas peças de Eurípides, o que na realidade representaria um dado historiográfico que forneceu legitimição ao discurso e à filosofia sofista.
A razão que questiona os costumes e a tradição religiosa grega serve-se paradoxalmente dela apenas para (intencionando talvez não frustrar àqueles que ainda preservavam as tradições e gozavam de um certo prestígio social perante a sociedade grega. Percebe-se que a utilização dos deuses nas tragédias de Eurípedes, encontra-se às vezes deslocada e parece estar presente como recurso estratégico) difundir um novo costume e uma nova conduta. Eis a dialética sofista:

(Nietzsche sobre Eurípedes)
"Vai colocar todas as paixões nos seus lugares, encerra-as agora nos teus domínios, ajusta as falas dos teus heróis à dialética sofista, cuidadosamente limada e aguçada
-as paixões dos teus heróis nunca serão mais do que máscaras, falsificações de paixões, e a linguagem delas nunca será autêntica nem sincera (Nietzsche, p.70)."

Assim se formaliza o herói Penteu. Aquele que ao mesmo tempo sofre o desígnio trágico no fim da peça e em seu desenrolar assume um papel de secundária importância. Penteu parece ter sido criado tão somente para a apresentação do diálogo exemplarmente conduzido de acordo com a lógica sofistica presente no Episódio II, III & IV, em que ele atua como interlocutor e Dioniso como o outro.

Os aspectos retóricos bem desenvolvidos são visíveis e a sedução e a astúcia entrevistas nas respostas e questões de Dioniso termina com o consentimento Penteu em acompanhá-lo para que enfim concretize a sua vingança.

Certamente, as personagens agora já não eram inalcansáveis e nem exemplares. O espectador, o homem comum, estava no palco e o aristocrata já não representava o herói mítico a ser imitado. Eram admiradas as qualidades ou os personagens que pareciam familiares à platéia, por que ali estava a representação do ordinário: "o espelho, que outrora refletia só nobres e altivas feições, passou a representar com exatidão servil e a reproduzir com minúcia todas as deformidades da natureza(Nietzsche, p. 72)"; e ali o que se esperava ver como modelo era o homem comum, participante da tragédia como personagem central "o espectador via e ouvia o seu próprio duplo nas cenas de Eurípedes, e rejubilava sinceramente com a sagacidade demonstrada pelo seu sósia nos vários discursos(Nietzsche, p. 72). "

O quê se buscar em uma arte que já não procurava nos seus ídolos a existência ideal? Seria o momento de se afirmar, em um contexto maior, que a arte agora está praticamente em vias de se tornar o que hoje entendemos como o conceito de "arte no ocidente"? Vale então, diante destas perguntas a máxima de Sófocles ao falar de Eurípedes: "Eu pinto os homens como eles deveriam ser e Eurípedes os pinta como eles são", que explica como o realismo de Eurípedes, questionador da autoridade moral dos deuses em punir os homens, conseguiu aos poucos substituir os recursos criados por seus antecessores, assim como sua concepção de tragédia veio modificar as concepções de teatro trágico como um todo.

O autor no desenrolar da peça enfatiza toda a potência de arrebatamento que a tendência dionisíaca é capaz, representada pelas bacantes (em delírio báquico) e pelo demônio cruel e sagaz que é Dioniso. Distante dos palcos durante muito tempo, Dioniso como deus, possui dupla natureza: a de demônio cruel e senhor clemente. E é justamente a natureza da destruição e do terror que afastou sua presença dos palcos pois o que hoje podemos compreender como "dionisíaco bárbaro", tornava-se uma ameaça para a tragédia ática que preferia se apropriar do apolíneo, deixando adormecido a menção de Dioniso de forma mais explícita.


Posteriormente, e talvez tarde demais, tenta-se restituir a tendência dionisíaca aos palcos da tragédia grega através das Bacantes. O deus da alegria, constituído de duas naturezas: a bárbara e apolínea (harmonizadora), já havia sido praticamente esquecido e moralizado por um outro demônio, como destaca Nietzsche. Esse demônio é o socratismo. E nesse colóquio de forças, a história já nos respondeu quem foi o vencedor.

7 comentários:

Rafael Galvão disse...

Só uma pergunta, comk absolutamente nada a ver com o belo post: o nome do blog é Chien Perdu ou Vida de Cão sem Dono? :)

Anônimo disse...

Belo, belo blog, Michelle. Parabéns.

Anônimo disse...

Rafael, o nome do blog é "Chien Perdu", "Vida de cão sem dono", é o subtítulo autoexplicativo, obrigada pelo elogio!

Anônimo disse...

Nelson,obrigada, obrigada!

Anônimo disse...

Olá Michelita!
Sim sim ... a progressão da tragédia clássica, de Esquilo à Sófocles/Eurípedes, é mesmo arrebatadora aos nossos olhos (digo: do pouco que nos chega pelas traduções dessas tragédias, nas quais, cada palavra mágico-religiosa encerrava conceitos baseados em uma noção de justiça bem diversa da que temos hoje). Não li As Bac., tampouco Nietzsche, mas teu texto ?me acrescenta? e convida a lê-los. A personagem das bacantes parece refletir esse espírito de dessacralização (do qual, hoje, só nos damos conta se observamos com uma lupa a nossa própria sombra: a normalidade e a banalidade de seres sem deus(es)). Paixões, acaso, consciência/inconsciente, códigos de responsabilidade civil e o dionisíaco esticado até a barbárie completa! Te ler é um prazer e um exercício, bj., erk.

Anônimo disse...

Michelle você pode me indicar ond
tem a peça completa das Bacantes??

adoreii o resulmO



bjuH
;**

Anônimo disse...

Darling, se eu soubesse pelo menos quem você é. E um resumo, seria mais sucinto, não, não? Mantenha contato queridíssima.